Duas paulistas em contraste

Por Lauro Lisboa Garcia – 10/12/14

Canções inéditas, outras desconhecidas, algumas que parecem esboços e precisam ser trabalhadas, deslizes na prosódia, vozes e timbres nem sempre adequados para determinado formato sonoro, tempo curto para dizer à plateia a que se veio. Nesse conjunto de elementos até mesmo certas deficiências parecem estimulantes para quem se predispõe a mergulhar no desenho libertário de criação de artistas como Pamelli Marafon (acompanhada apenas do próprio teclado) e Iara Rennó (armada de sua guitarra na maioria do tempo), que se apresentaram no teatro da Funarte MG, na segunda noite da 4ª Mostra Cantautores em Belo Horizonte.

A sonoridade crua, desprovida de arranjos e até mesmo de harmonias elaboradas são um bom exercício para o público atento imaginar como as canções apresentadas podem crescer. A proposta do festival é essa mesma: colocar o compositor que interpreta as próprias canções em caráter de nudez frontal, sem rede de proteção – e uma provável insegurança diante do novo provoca tanto curiosidade como dúvidas quanto à aceitação recíproca.

Nascida no interior de São Paulo, Pamelli migrou pra Minas, mora há cerca de 10 anos em Ouro Preto, onde dá aulas de música. A afinidade com a geografia sonora da morada que (a) adotou e também com o modo de vida mineiro é sintomática no seu estilo de compor. Não por acaso, ela abriu sua apresentação com “Minas Gerais”, canção que compôs quando chegou ao Estado. “Fui logo bem-recebida. Primeiro pelas montanhas, depois pelas pessoas. Estava imensamente feliz porque sempre me identifiquei muito com esse lugar, gostava da música daqui, mas sem entender direito o que era. Aqui vi que tudo fazia sentido e que tinha vindo para o lugar certo.”

Pamelli disse que compõe muito em sala de aula. Suas canções são delicadas, acessíveis, algumas com o tema predominante no universo, que é o amor, mas também vai por caminhos curiosos, como em “Água” (resultado de um trabalho com seus alunos sobre os quatro elementos naturais), que sugere uma embolada. Diante da crise de abastecimento que assola o Brasil, a falta de chuva e o desperdício que penosamente se vê por todo canto, o tema é bastante oportuno, sobre o percurso do líquido vital desde a fonte até o fatal acúmulo de sujeira no mar – sem saída e sem volta. O tempo é tema de um poema que ela fala com um tic-tac de fundo e emenda com um frevo que também usa metáforas envolvendo água.

A canção que encerrou a apresentação é “Problemas com Regras”, com o que a gente que vive e trabalha fora das convenções se identifica de imediato. Como ela mesma disse, poder trabalhar com esse universo da música “é um privilégio, suspende o peso do mundo”.

Com sua guitarra rascante, Iara entrou provocando um corte brusco no ambiente sonoro deixado por Pamelli. Até porque reclamou que alguém mexeu em seu instrumento e ela estava se desentendendo com o equipamento de som, mas bastou achar o ponto certo para o problema ser resolvido. Essa atitude provocou certo constrangimento geral, o que pode ter contribuído para a frieza do resultado do show.

A compositora paulista privilegiou canções de seu álbum lançado este ano, “Iara”, apresentou outras do elaborado trabalho anterior, “Macunaíma Ópera Tupi”, mostrou de seu jeito mais cru uma canção gravada por Elza Soares (“Mandingueira”), e revelou outras inéditas, como “Lampejo” (parceria com Gustavo Cabelo, da Trupe Chá de Boldo, que a gravou para o novo CD), e “Querer Cantar” (com letra de Gustavo Galo, também integrante da Trupe e criador de um dos melhores discos de 2014, “Asa”).

Essa bela parceria com Galo tem relação com outras que Iara compôs para um projeto sobre orixás e é um elemento relevante em sua música. No final, deixou a guitarra de lado para cantar a cativante “Miligramas”, tocando apenas um chocalho, e parece ter finalmente ganhado a simpatia da plateia, mas sem o calor com que Pamelli foi recebida.

A relação com toda a cadeia de criação musical (sejam parceiros de palco, de composição, com profissionais de produção, de estúdio e com o público), como ensinam veteranos e outros nem tão experientes, é sempre “de troca”: a carismática Tulipa Ruiz enfatizou isso em show recente em São Paulo. É uma evidência a se lapidar.

Às vezes a plateia pode ser mais crítica do que qualquer um que chamam de “formador de opinião” profissional, mesmo que seja em forma de silêncio, como é característico do respeitoso público mineiro.

FUNARTE MG

TEATRO OI FUTURO KLAUSS VIANA

Rua Januária, 68, Floresta (31) 3213-3084
Venda antecipada www.sympla.com.br/mostracantautores

Av. Afonso Pena, 4001, Mangabeiras (31) 3229-2979
Venda antecipada www.ingressorapido.com.br

PREÇO ÚNICO | R$10,00 (inteira) | R$ 5,00 (meia) *A meia entrada é vendida somente com a apresentação da carteirinha e/ou documentos de identificação no ato da compra;