Diário das Alterosas (segunda, dia 1)

Por Leonardo Lichote – 09/12/14

Vale Verde e tutu me recebem na Cantina do Lucas, endereço histórico de BH, ponto de encontro do Clube da Esquina. Me dou conta ali que a única loja aberta na cidade no feriado local (dia da padroeira, me informam) é uma loja de fantasias em frente ao restaurante, na qual manequins mirins – ele o Homem-Aranha, ela a Minie – se dão as mãos. Que cidade

Vim pra Mostra Cantautores, festival de formato único, profissão de fé na canção: o artista sozinho no palco, com seu instrumento. Compositor e cantor, cantautor – palavra com a qual José Miguel Wisnik brinca na sua apresentação, dizendo que, como sua “aula-show”, parecia um híbrido meio sem jeito na linha de “sapatênis”, mas que ali fazia sentido

Sim, fazia. Das explorações “mineiras”, tensas, barrocas, do piano e das melodias de Rafael Martini, que abriu a noite e foi definido por Guinga com um “parece que Debussy veio morar no cerrado”, até o bis do mesmo Guinga, ponto final da noite, no qual o músico falou que não ia tocar nada, ia só declamar – e o fez emocionado – a letra de uma velha canção que ouviu criança: tudo girava em torno da força da canção, sintetizada nessa figura do cantautor. O silêncio e a atenção extrema de um Oi Futuro lotado de um público majoritariamente na casa dos 20 e poucos reafirmavam essa força

Uns cacos pro mosaico:

– Wisnik e seu “Assum branco”, suas reflexões sobre a mineirice filosófica da palavra “onqotô” versus a afirmação filosófica anglosaxônica do “Big Bang”, a paulistaníssima “Por Elisa” (canção de amor/ humor desesperada que ele e Tatit fizeram a partir da declaração de Tom Zé que a música que mais definia São Paulo era “Pour Elise” tocada no caminhão de gás), a liberdade física e metafísica cantada em funk carioca (parceria dele com Mautner). Tudo ali, junto, lembrando que Minas é metrópole cinza, herança barroca e sertão de Guimarães Rosa. Como ele me disse mais tarde, no camarim, “é o cerrado, de onde partem os rios para todos os lados”

– No dia de 20 anos de morte de Tom, o teatro cantou “Eu sei que vou te amar” (com Wisnik) e “Ligia” (com Guinga). Cantar junto, uma canção é muito pra isso também

– O virtuosismo absurdo de Pedro Carneiro quebrado com um humor sacana, escroto mesmo, ao mesmo tempo fino demais. Experimentalismo sem amadorismo, técnica sem empáfia, graça engraçada. A canção viva e surpreendendo

– Guinga toca a moda de viola guinguiana “Simples e absurdo” pra logo depois comentar que “o bom da música brasileira é que a gente pode atirar pra tudo quanto é lado”. E depois confirmar enfileirando “Você você”, “Senhorinha” e duas melodias inéditas

– Guinga numa fala lindamente delirante dizendo que a música daquela noite podia estar no Faustão – e em certa medida estar coberto de razão

FUNARTE MG

TEATRO OI FUTURO KLAUSS VIANA

Rua Januária, 68, Floresta (31) 3213-3084
Venda antecipada www.sympla.com.br/mostracantautores

Av. Afonso Pena, 4001, Mangabeiras (31) 3229-2979
Venda antecipada www.ingressorapido.com.br

PREÇO ÚNICO | R$10,00 (inteira) | R$ 5,00 (meia) *A meia entrada é vendida somente com a apresentação da carteirinha e/ou documentos de identificação no ato da compra;